Bailarina, Coreógrafa, Professora e Investigadora
NUM PASSO DE DANÇA
Ela é a maior referência da dança angolana. Fez de tudo nesta expressão artística. Um trajecto difícil que lhe dá hoje o reconhecimento de ser ímpar na cultura do nosso país. Mas ainda está longe do fim da caminhada…
Ana Clara Guerra Marques está a reactivar a Companhia de Dança Contemporânea de Angola, fundada por si em 1991, presente na Expo 92, em Sevilha, e que estava “adormecida”. “Na verdade não era uma coisa que passasse pela minha cabeça naquela altura. Estava a fazer outras coisas dentro da minha ligação profissional ao Ministério da Cultura, sendo que no mundo da dança já tinha feito tudo. Ou pensava isso. Fui desafiada pelo Mário Tendinha para o projecto artístico Oratura dos Ogros ao Fantástico, que incluía a dança e, em poucos segundos, tudo mudou. Não foi preciso dizer mais nada. Comecei à procura de pessoas para trabalhar e depois da exposição, decidi que estava na altura de reactivar a CDCA. Dando seguimento ao trabalho que tínhamos feito para a exposição do Mário Tendinha”, explica a bailarina e coreógrafa.
Tal como em muitas outras coisas que fez na sua vida, segue o seu instinto e a sua vontade. Ela é assim, decidida e convicta. “O grupo que estou a trabalhar resulta de rapazes que vieram de diversos lados. Uns do IACA, outros que me apresentaram, ainda outros que conhecia e que tinham muita vontade de dançar. Não tinham formação em dança clássica, mas uma enorme vontade de aprender. E na verdade, quando queremos somos invencíveis. Digo sempre isto ao meu grupo”, explica com uma postura clara, acrescentando, “A dança tem que ser abordada com rigor profissional. É necessário ter disponibilidade para trabalhar muito, repetir gestos até se atingir a perfeição. Tem que ser abordada de uma forma séria. Isso de que nascemos com o talento cá dentro e depois é só deixar sair, não é verdade. É necessária muita transpiração para que as coisas resultem”, diz convicta Ana Clara Guerra Marques. As palavras saem-lhe com naturalidade. Fala do que conhece. Atrás da sua postura estão muitos anos de ensaios. Muitos espectáculos feitos, por vezes com condições mínimas, onde era necessário para além do talento, vontade e discernimento para arranjar as soluções que permitiam as apresentações públicas. “Repito aos meus bailarinos que eles não são uns quaisquer. Não para que se tornem vaidosos, mas para que tenham uma postura profissional. Isso tem a ver com os horários, com a forma com estão em cada ensaio, pelo interesse que mostram na compreensão deste ou daquele gesto. Têm que perceber o que estão a fazer. Não quero “fabricar bailarinos-máquina”. Têm que gostar do que fazem”.
TRABALHO E VONTADE
Quando fala, Ana Clara Guerra Marques segue o ritmo das palavras com os braços. Os gestos reforçam as ideias que transmite com clareza e transparência. Ao fundo, os olhos confirmam a convicção do seu discurso. “No Dia Internacional da Dança juntei aqui em casa o meu grupo e estivemos a ver algumas imagens em DVD. Quando olhamos para os melhores bailarinos clássicos, para a facilidade com que se movem no palco, para aqueles grandes saltos que conseguem fazer, eu explico que atrás de cada daqueles gestos, estão muitos anos de trabalho. Possivelmente eles nunca vão conseguir fazer aquilo porque lhes falta formação de base. Mas atrás da técnica está a vontade em poder fazer melhor todos os dias. E isso, eles têm. Ao fim de quase um ano de trabalharmos juntos, evoluíram bastante. Dominam o corpo e a tendência será sempre melhorar. Estou muito satisfeita com eles. Por isso, julgo que está a chegar a altura de mostrarmos ao público o que andamos a ensaiar há tantos meses”.
A Companhia de Dança Contemporânea de Angola está novamente pronta a sair para a rua. Os espectáculos estão agendados para Setembro, nove espectáculos em três fins de semana, a acontecer no Nacional Cine Teatro. Um momento que servirá também de exame para a “artista”, tendo em cima de si as luzes daqueles que gostam do seu trabalho, mas também dos que nunca facilitaram a sua carreira. “Na verdade não me preocupa muito o que as pessoas pensam. A arte é assim. Nós fazemos as nossas opções estéticas de acordo com o que sentimos. O importante é que eu goste do espectáculo. Muitas vezes as obras de arte não são apreciadas no seu tempo e no seu local. Só mais tarde e mais longe. O contrário também é verdade. Grandes sucessos momentâneos, que desaparecem rapidamente. Mas essa não é a minha preocupação. Também sei que tudo o que é novo, choca as pessoas. Mas sei que vai ser um bom espectáculo”, confirma com convicção. Quando avança para um espectáculo, Ana Clara Guerra Marques sabe que nada será simples. Para além de coreógrafa, tem que vestir a pele de técnica de som, de responsável das luzes, de responsável pela sala, de criadora dos cenários, etc., etc., etc. “Sei que de acordo com as condições do país, temos que ser muito mais versáteis se queremos montar um espectáculo. Não podemos assumir uma função apenas e esperar que tudo se resolva. Faltam bons técnicos em cada uma das vertentes, mas isso não acontece apenas no mndo do espectáculo. É resultado do trajecto do nosso país, que teve outras preocupações durante muitos anos, sendo que só agora começa a estabilizar. Estamos a evoluir e a avançar em todas as áreas. Por isso não tenho nenhum problema quando me falam de todas as actividades que temos de desenvolver até chegar à construção final do espectáculo. A nossa história explica-nos isso e preparou- -nos para esses desafios”.